Reseñas

 

 

Moraes, A. C. R. (2013), Território na Geografia de Milton Santos, Annablume, São Paulo, 130 p., ISBN 978–85–391–0526–7

 

 

Jonathan Felix Ribeiro Lopes*

 

 

*Universidade de Lisboa–Portugal (CEG, IGOT–UL)

 

 

"Uma homenagem", assim Antônio Carlos Robert Moraes define o livro Território na Geografia de Milton Santos. Dedicado à memória deste importante geógrafo brasileiro nascido em Brotas de Macaúba (Bahia), a obra em questão tem como objectivo analisar o conceito de território percorrendo o universo de livros assinados por Milton Santos.

Antonio Carlos Robert Moraes é professor titular do departamento de Geografia da Universidade de São Paulo e pôde, desde a sua formação na pós–graduação, conviver com o autor que agora homenageia. Bacharel em Geografia (1977) e em Ciências Sociais (1979), Moraes é autor de livros importantes na História do Pensamento Geográfico (Moraes, 2002; 2003) e também sobre a formação territorial brasileira (Moraes, 2000; 2011), entre outras temáticas, como o meio ambiente e a gestão do território.

Neste livro, Robert Moraes nos fornece uma análise precisa da produção bibliográfica de Milton Santos, tendo como eixo central aquele que é um dos conceitos fundamentais da Ciência Geográfica. Assim, o livro nos permite imergir com segurança nas tendências e influências teórico–metodológicas que permearam a obra do autor reverenciado, reconhecendo sua complexidade e eclectismo, evidenciando ainda o estilo textual particular, além de ensaiar contextualizar as obras com a precisão que apenas um ex–aluno e ex–colega de departamento poderia ser capaz. É nesta interface entre o conhecimento interpessoal e a capacidade analítica que consideramos ser este livro uma contribuição fundamental à teoria da Geografia de Milton Santos, autor falecido em 2001, mas cujo legado prático e teórico permanece vivo.

Para além de uma breve introdução e de um também breve epílogo onde se sintetiza "um uso do conceito de território de Milton Santos", o livro encontra–se dividido em duas seções principais: a primeira intitula–se "O uso do conceito de território na teoria da geografia de Milton Santos: uma leitura 'internalista" e alguns comentários metodológicos", enquanto a segunda trata "'O retorno do território': um comentário crítico e algumas ilações contextuais".

Na primeira seção, Robert Moraes opta pela análise de conteúdo, tendo como recurso a frequência com que o termo território aparece em cada obra. De modo geral, a partir desta forma de tratamento fica evidente que a preocupação com o conceito é crescente na geografia de Milton Santos, sendo raramente citado nas primeiras obras e ganhando volume nos livros que seguem. À contagem do termo —e, também, de terminologias correlatas, como territorialidade e configuração territorial—, soma–se a análise interpretativa. A organização das obras de modo cronológico, segunda data de publicação, junto à combinação desses modos de análise, contagem e interpretação directa, atribuem um carácter sistemático e mesmo didáctico a redacção do livro, facilitando a apreciação do leitor.

Todavia, a percepção das obras não se limita à análise estrita do conceito, sendo comuns inserções nas quais Robert Moraes se propõe identificar as principais influências teórico–metodológicas adoptadas por Milton Santos recorrendo, por vezes, ao mesmo recurso de identificação e contagem dos principais autores citados ou referidos por Santos. Essa forma de tratamento do material bibliográfico mostra–se bastante eficaz no que diz respeito a contextualização e identificação de momentos diferenciados e de rupturas, permitindo uma categorização das distintas metodologias de trabalho do autor homenageado, sempre enfatizando o crescente ecletismo.

Assim, a partir da leitura das primeiras obras de Milton Santos, Robert de Moraes percebe a sua clara filiação na geografia regional francesa. Todavia, nota também que esta mesma filiação será criticada e reelaborada nas obras posteriores da década de 1960, momento no qual emergem influências diversas, como a fenomenologia de Jean Baudrillard, o existencialismo de Paul Sartre e, em termos metodológicos, o estruturalismo de origem marxista que, além do próprio Marx, referencia autores da Escola de Frankfurt e a influência central de Herbert Marcuse, tal como se torna patente no livro O espaço do cidadão (1987). Em fase posterior, soma–se a esse escopo a influência da teoria dos sistemas, fundamental na própria concepção de espaço geográfico proposta por Milton Santos. O reconhecimento dessas influências evidencia a crescente rejeição de qualquer tipo de ortodoxia metodológica, seja ela de origem neopositivista ou, mesmo, afim à rigidez economicista advinda do marxismo. Tal postura surge ilustrada depoimento verbal que Santos produziu para o filme Encontro com Milton Santos: O mundo Global visto do lado de cá (2006), no qual se declara marxizante como modo de fugir a ortodoxia dos "ismos".

No que tange ao aspecto central do livro ora resenhado, isto é, a apreciação do conceito de território, Robert de Moraes demonstra cabalmente que o termo ganha relevo crescente à medida que a dimensão política é incorporada à teoria geográfica de Milton Santos, reafirmando a cada novo livro o papel fundamental do território e do Estado como forma de compreender e resistir ao processo de globalização, o qual, em sua leitura, assume uma feição perversa.

Robert Moraes mostra também que o conceito de território ganha maior complexidade na obra de Milton Santos, passando da simples associação a uma unidade político–administrativa, como em A Cidade no Países Subdesenvolvidos (1965), para uma categoria de análise que se aproxima do conceito de espaço geográfico, cuja importância é facilmente percebida no esforço de interpretação empírica do Brasil a partir do seu território, presente no livro O Brasil. Território e Sociedade no Início do Século XXI (2001), escrito por Milton Santos e Maria Laura Silveira.

Na referida segunda seção principal deste livro, Robert Moraes analisa o texto "O retorno do território" publicado por Milton Santos na coletânia Território, Globalização e Fragmentação (1994). É curioso perceber que este texto é considerado por Moraes como estranho ao conjunto de obras de Milton Santos. Isso porque, no seu entender, apresenta uma aproximação à concepção pós–moderna da transnacionalização do território, o que, por sua vez, vai de encontro a concepção desenvolvida por Milton Santos em livros publicados na mesma época, como é o caso de Por uma economia da política da cidade (1994a) e Técnica, Espaço, Tempo: Globalização e Meio Técnico–Científico–Informacional (1994b), nos quais destaca a escala nacional ainda como dominante.

A leitura da obra miltoniana que Robert Moraes promove neste livro não se reduz, no entanto, à análise das respectivas obras tendo como eixo central o conceito de território. Incitando abertamente a continuidade de releituras à obra de Milton Santos, Robert Moraes propõe a associação entre a actividade política e as ideias do autor estudado como forma de compreender sociologicamente sua produção.

Encerrando o tributo, tal como Robert Moraes define o próprio livro, a última seção/Epílogo apresenta uma aplicação prática dos conceitos de território, isto é, a materialidade do espaço e o conceito de "território usado", tal como definidos nas últimas obras de Milton Santos, com destaque ao Manifesto do LABOPLAN–USP, distribuído no Encontro Nacional da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) ocorrido em Florianópolis em 2000. Admitindo o seu próprio ceticismo inicial diante da necessidade teórica do conceito de "território usado", Robert Moraes revela que sua compreensão se mostrou adequada, mediante a aplicação concreta a um problema de pesquisa com o qual se deparava, nomeadamente a diferenciação entre o território concebido formalmente (ou seja, correspondente ao exercício da soberania, por meio de tratados e acordos, em sintonia com uma leitura geopolítica tradicional) e, por outro lado, aquele efetivamente ocupado (habitat do colonizador).

O exemplo supracitado, mais do que ilustrar a utilidade, a precisão absoluta ou inamovível do conceito, serve para evidenciar que o legado de Milton Santos deve ser compreendido com criatividade, permitindo a renovação metodológica na própria teoria da geografia; em outras palavras, deve ser reconhecida e estimulada a inquietação teórica típica de Milton Santos.

 

 

REFERÊNCIAS

 

Moraes, A. C. R. (2000), Bases da formação territorial do Brasil: o território colonial brasileiro no longo século XVI, Hucitec, São Paulo.

Moraes, A. C. R. (2002), A Gênese da Geografia Moderna, Hucitec/Annablume, São Paulo.

Moraes, A. C. R. (2003), Geografia: pequena história crítica, Annablume, São Paulo.

Moraes, A. C. R. (2011), Geografia histórica do Brasil: capitalismo, território e periferia, Annablume, São Paulo.

Santos, M. (1965), A cidade nos países subdesenvolvidos, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro.

Santos, M. (1987), O espaço do cidadão, Nobel, São Paulo.

Santos, M. (1994a), Por uma economia política da cidade, Hucitec /Educ, São Paulo.

Santos, M. (1994b), Técnica, espaço, tempo: Globalização e Meio Técnico–Científico–Informacional, Editora Hucitec, São Paulo.

Santos, M. e M. L. Silveira (2001), O Brasil: território e sociedade no início do século XXI, Editora Record, São Paulo.

Santos, M., M. A. Souza e M. L. Silveira (1994), Território, Globalização e Fragmentação, Hucitec, São Paulo.

Tendler, S. (2006), Encontro com Milton Santos: O mundo global visto do lado de cá, Caliban Produções, 89min, documentário, Rio de Janeiro.

Tiercelin, M. e J. Levy (2014), Biografia Milton Santos (1926–2001), [http://miltonsantos.com.br/site/biografia/: abril, 2014].